domingo, 29 de novembro de 2009

Livro - Isabel Rosete

Um livro
De sons
E de silêncios
Estou a tentar escrever
Com a doçura das manhãs claras
Dos raios de sol
Que iluminam a minha mente
Num rasgo de luz
E transparência.

Torna-se tudo tão claro
E tão obscuro!

Um imenso universo de letras
Me espera
Em qualquer Mundo possível!

Vogais e consoantes
Se interpenetram
Sem fim
No seio do Mistério
De todos os enigmas.

Emerge o suposto
O especulativo
Do prazer do texto
Onde impera o não-dito.

Nada se decifra
No labirinto
Dos caminhos que não mais
Se bifurcam!

Pelas ruínas circulares
Vagueio
À procura do Minotauro
Tão longe e tão perto
Do ainda não perceptível.

E o livro
Ainda não foi escrito!

Isabel Rosete

Livros - Maria Manuel

LIVROS

leio as tuas palavras nas horas de vasto silêncio
meu silêncio, teu oceano luzente de vagas.
escuto a tua voz, desperto a minha voz. renasço
como ave a cada voo nas tuas palavras cristais.

as cumplicidades são as linhas de um universo
que inscrevo na memória. contra o tempo,
águas que me desaguam novos caminhos.

Maria Manuel

Livros - Maria Mamede

FOLHAS SOLTAS

Livro mudo de palavras gritadas
folhas soltas na raiz do vento
espaço onde me descubro e invento
tempo cheio de linhas vazias
agulha fina de pensamentos graves

Livro esquema de astros íntimos
noite cortada à faca
sobre os sonhos
mais incrustados à madeira das mesas
mais húmidos de calor e cansaço

Livro livre
escrita afogueada de dedos múltiplos
fogo enrolado aos pulsos
língua de espanto presente
nó vivo
vidro agudo
lábios excessivos
signos furiosos e delirantes

Livro redondo de metáforas paralelas
geometria com letras assassinadas
dizer
nunca
não
tenho tempo
tenho veneno
tenho cabeça

Morro
com as folhas maduras

*************

LIVROS

Nos livros que tanto amo
que cheiro e toco beijando
tudo em prazer eu irmano
quando meus lábios tocando

cada letra em cada folha
como vidas, como gente
e atento, seu olhar olha
como recebo a semente

que suas palavras são...
trato o livro como irmão
de tanto amor que lhe tenho...

e o fruto com que lhe pago
é sereno como um lago;
é o tempo donde venho!...


Maria Mamede

Um livro Infernal com olhos de anjo" - Daniela Pereira

Um livro Infernal com olhos de anjo"

Lê-me por favor!
Tira-me da estante e rouba-me a poeira do corpo...
Quero ser o teu tesouro mais bem guardado...
o teu objecto preferido.
Lê-me apressado
ao chegares a casa depois de um dia de trabalho...
ou então , lê-me descansado
num sofá juntinho à lareira.
De cigarro na mão...se quiseres ser um leitor com estilo...
Ou então,não fumes...se o fumo te incomodar.
Mas não me deixes esquecida
a sufocar com ele num canto.
Lê-me nos versos puros
com olhos de quem devora a sua última estrofe de carne.
Absorve-me no odor preso à capa
porque passeias nas minhas linhas
a imaginar todas as viagens que realizei com os meus dedos.
Leva-me debaixo do braço...
sempre segura ou só aconchegada...
mas mostra-me o sol que brilha lá fora
para eu ganhar outras cores.
Lê-me com cheiro a mar
ou molha-me com pingos de chuva
mas não me deixes com o sorriso humedecido.
Lê-me em poemas
e mostra-me emocionado
que me adivinhas as histórias...
mas lê-me inteira e com amor!
Procura-me nos segredos e folheia-me com cuidado...
Tens medo de me estragar a beleza
com a avidez do teu toque.
Saltita-me com os dedos no papel
e espreita-me nas palavras como se fosses um miúdo curioso.
Mas..não morras inculto de mim!
Partilha-me as emoções e empresta-me ao vizinho do lado...
mas promete-me que vais perder a cabeça
se me devolverem com os sentimentos machucados.
Fechas-me os olhos...?
Será que já te sentes cansado desta leitura...
supostamente infernal?
Então...atira-me à fogueira platónica
e quando me vires sucumbir nas chamas
com os sonhos a gritar de dor...
Recorda-me que fui sonhadora
e que com olhos de anjo ...sonhei para ti.
Depois...
Deixa-me voar
com letras queimadas na boca e cinzas fundidas ao peito...
Cheguei ao fim!

Daniela Pereira

Um Livro - Orlando Jorge Figueiredo

um livro

vou escrever um livro
feito de romãs e vento
e música e sol
e poemas
que lemos
e livros
que não lemos

um livro
de beijos inventados

vou escrever um livro
como se fosse
uma trepadeira
que cresce
dentro de mim
e as palavras
me beijassem
como nos sonhos
de estar contigo

um livro
de escrever
até ao infinito

orlando jorge figueiredo

Livro - Ana Oliveira

*eu

habito no livro puído
logo sou pó
não fluído

Ana Oliveira

Livros - J.T.Parreira

OS CLÁSSICOS

O verão
parece uma estação propícia
aos Clássicos.

Antes que as nuvens se encham
sobre o Atlântico.

Horas de areia
à beira da espuma,
horas a gastar os olho
sem subidas pela serra
em frente.

De costas voltadas para a pressa,
lêem-se os Clássicos
lentamente, como a passagem
da sombra.

*********

OS LIVROS

Desarrumados da estante
esticam suas folhas
como pernas, os volumes
folheados tomam ar
respiram
entre sílabas as palavras
e os autores sacodem
a penumbra, tossem
os poetas novelos de poeira
Desarrumado o verbo, vem à luz
e diz o quê? O inesperado.

J.T.Parreira

Tema semanal - Livro

O tema da terceira semana foi o Livro.
Nos próximos post podem desfrutar de alguns dos poemas dos elementos do GPA.

Saudações poéticas,

Rita Capucho

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Silêncio - Maria Mamede

SILÊNCIO

Só o silêncio
no ramo!
Já chegou
e já partiu
quem nele poisou
um dia
e quem sofreu
a agonia
de ser uma pausa
breve...
silêncio
de quem já foi
silêncio sorriso
alegre
silêncio
da dor que mói...
só o silêncio
se escuta
naquele ramo
oscilante
silêncio
da asa solta
que se foi
ao sol levante!...

Maria Mamede

domingo, 22 de novembro de 2009

Reecontro em surdina - Ana Oliveira

* reencontro em surdina

há um silêncio na noite
que se espalha num quarto de hotel,
e em que vemos passar uma vida,
cheia de desejos e frustrações,
de risos e tristezas,

tentamos adormecer,
tentamos.

tudo é escuro,
tudo é silêncio.

sinto a carícia dos teus pés envoltos nos meu
se procuramos não cair na tentação do desejo,
para que nada se repita.

sinto o tempo a parar.
e como a caneta do poeta inspirado
flutuo.

comprimimos os nossos corpos
com uma intensidade ardente.

sufoco.

viro-me, cheiro a tua pele
e sinto a maciez do teu corpo.

provoco os teus abraços,
enrolo-me em ti
e sinto finalmente as tuas mãos gentis.

oiço-te respirar
e as nossas bocas unem-se.

sem palavras

numa noite em que o silêncio
é a palavra mais eloquente

Ana Oliveira

O Silêncio - Orlando Jorge Figueiredo

o silêncio

de
árvores
nuas
ou
luas
ou ruas

o silêncio

dos teus olhos
nos meus olhos
da tua língua
na minha língua

o silêncio

o mistério de ler o teu sexo
como livro sagrado
letra a letra
passo a passo
gota a gota

o silêncio
da minha boca
no teu corpo
do meu corpo
na tua boca

o silêncio

o fogo
o grito

o silêncio

orlando jorge figueiredo

Silêncio - M. Dias da Silva

Se os pássaros, que a árvore, ou a noite,

escondem, dançassem comigo,

atingiria o silêncio que dispensa

o regresso: igual só o encontro

que nos enlaça por dentro.

M. Dias da Silva

Silêncio - J.T. Parreira


TU NO MEU SILÊNCIO

Estive contigo todo o dia no meu ouvido
à volta do meu pescoço
o teu perfume, de gotas brilhantes
invisíveis, na dupla palma
das minhas mãos o vento
traz o minúsculo instante da poeira
Estive com os meus cabelos
sonhando com as tuas mãos
estive a respirar o ar
que deixaste para trás
guardei na minha retina a soma
do abrir e fechar dos teus olhos
o teu silêncio agora toca-se
em cada coisa que ficou
cuja textura é inquebrável
como uma lágrima.

J.T.Parreira

*************
FALSA PARTIDA

Yo no quiero cargar con tus maletas
Joaquín Sabina

Eu não quero carregar as tuas malas
cheias de um tempo de alegrias
água agora
das lágrimas que fizemos um ao outro
Eu não quero levar-te à porta
da casa que sonhamosser nossas paredes
E enfrentar a rua com seus autos fechados
e peões indiferentes e uma chuva
como pontas do universo
que naufraga
Não quero mais ouvir aquele disco
a rodar como uma valsa
que nossos corpos sopraram nos salões
Eu não quero nunca mais
sonhar esta partida de silêncios
senão aquele que perdoa e me recolhe
nos teus olhos tanta vez.

J.T.PARREIRA

Menina de Cristal - Regina

MENINA DE CRISTAL

A menina não quer acordar o chão
Por isso quase levita pelo fio da navalha
E quando, por um segundo, o som se está a soltar...
Suas mãos amparam o pulsar do coração
Para que o medo do corpo não se ouça.

Mas eis que surge uma borboleta sedutora
De asas tão livres que estremecem a madrugada,
Voa e bate nas paredes surdas
De um modo que o silencio da menina
Cai de cansaço sobre o gume da espada.

Regina

Silêncio - Marta Dutra



silêncio já não é o mesmo, ouve-se um tumulto escondido, profundo. Adivinho a chuva por detrás do morro e os gritos das gaivotas em demanda. Fazem-me falta os sorrisos que não tive, todos os abraços que não dei, enquanto deambulava por aí sem sentido.A linha que alcanço despede-se sempre da miragem numa renovada esperança fugaz. Penso no tempo e o que dele fazemos, aflige-me não o ter, quando afinal sei que o tenho agora e somente agora.

**************

Às voltas no vazio
traços
rodopios
quedas
o silêncio
por fim

Marta Dutra

Silêncio - Isabel Rosete

Silenciar a voz
Na face oculta
Do devir do mundo…

Vozes dispersas,
Ouvem-se ao longe...

*******


Amo o silêncio.
O ruído das máquinas
Fere-me os ouvidos,
Tão puros
E tão singelos,
Quanto cada amanhecer.

Os sons
Límpidos
Das trombetas dos Anjos
Espero ouvir,
Ao entardecer;

As suaves melodias das almas
Cristalinas
Espero beber,
Ao anoitecer;

Os sons da Terra
Inocente
Espero sentir,
Em cada renascer…

*********


Silêncio?
Nunca.

O silêncio faz parte
Da alma dos cobardes.
Isso não queremos ser!

Ergamos as nossas vozes
Contra todas as formas de subjugação,
De violência,
Ou de des-humanidade.

Mantenhamos,
Bem alto,
O nosso grito de alerta,
Em nome de um futuro mais radioso,
Mais sereno,
Mais feliz...

Isabel Rosete

Silêncio - Maria Manuel

um lugar de silêncio, uma penumbrapura,
aragem de rosas adormecidas.
um canto, recanto de palavra desnuda
a cada voo silente ou sopro de vento.
busco trégua nas horas, nas pálpebras
pesadas da intermitência do olhar.
e um pássaro por dentro dos olhos
para sulcar clareiras a cada manhã.

***
poderia o silêncio ser rio de ausências
desaguando na presença de um a si mesmo.
mas digamos dos ruídos mais íntimos
improváveis cúmplices do silêncio.
os fantasmas as fracturas os muros
as memórias devaneios nocturnos
os espelhos que permanecem turvos
as portas tão raríssimas de chaves
rastos quotidianos ventos surdos.

Maria Manuel

Silêncio - Naia Sardo

No silêncio dos gritos
Só a garganta não responde aos incontidos
espasmos faciais.

Tudo à volta é negro e fétido;
a excepção é essa imensa mole humana
que continuamente cai dum espaço
que não consigo vislumbrar.

Há, no entanto, algo que atrai a minha visão.
No meio daquela massa informe
uma pequena luz surge. Eu tento segui-la.

Sinto-me impotente para contornar todos aqueles
corpos que se abatem em catadupa.
Perco a visão, perco a vontade
e o silêncio permanece eterno.

Naia Sardo

Tema Semanal - Silêncio

O tema da segunda semana foi o Silêncio.
Nos próximos post podem desfrutar de alguns dos poemas dos elementos do GPA.

Saudações poéticas,

Rita Capucho

domingo, 15 de novembro de 2009

Chuva - Ana Oliveira

* chuva


navegam
em pequenas
formas - suspensas
no ar
depois…
precipit am-se
e
caem esferas
de___formadas
_____pesadas
ergo a cabeça
rodopio
e bebo-a
de braços
estendidos
enquanto a roupa
se cola
enquanto a lama
me atola

Ana Oliveira

Chuva inquieta - Regina

CHUVA INQUIETA

Ele abrigou-se no vão estreito de uma montra

Havia electrodomésticos demasiado ferozes
Para aspirar, triturar, fotografar, aumentar, congelar...

Para se aquecer puxou até ao pescoço o cartão frágil
Só ficou com os pés de fora, à chuva
E adormeceu com um beijo LCD bem panorâmico

A chuva transformou em enxurrada,
Galgou para fora das sarjetas,
Inundou os passeios e as estradas

Pela manhã, quando passou, varreu-se a lama,
Limpou-se os vidros dos olhos
Fez-se as contas para contabilidade
Mas quase ninguém reparou nos pés caídos
De um homem que morreu de frio
No coração Bluetooth de uma cidade

Regina

Chuva - M. Dias da Silva

Chuva

Encosto-me aos umbrais

do tempo e escuto

a lenga-lenga do vento

Leio-me atado ao silêncio

Reagrupo mitos

até avistar as marés

Esfrego os olhos Entro

na cena Sem ruído

adivinho a chuva

nos pinheiros

M. Dias da Silva

OS GUARDA-CHUVAS DE RENOIR - J.T. Parreira

OS GUARDA-CHUVAS DE RENOIR

O céu é octogonal

Chovem os guarda-chuvas
abrem espaços azuis
é o tempo de soltar
pássaros de pano

pássaros de um azul
metálico
sobre cabeças contentes

Mais do que fender os ares
com nuvens metálicas
paira uma luz húmida
sem tumulto

penetra no ar e no chão
faz nascer o dia
como do fundo de tudo.

J.T.Parreira

Chuva - Manuel Ferreira Rodrigues

Chuva

não sei se algum dia te disse, gosto de todas as estações do ano, mastenho uma afeição extrema pelos períodos de transição. de mudança.especialmente quando o outono ainda não é outono e já não suporto ocalor-sempre-calor do verão. quando sinto que as primeiras andorinhassão promessa de dias inteiros sem nuvens, sem frio e sem chuva —aquela irritante chuva muda de Fevereiro —, e os campos se vestem demil verdes e as flores brotam até das rochas.

quando chegam as primeiras chuvas do fim do verão desfruto de um dosmaiores prazeres: sentir o aroma da terra molhada, o perfume picanteque emana de toda a parte e me inebria, o odor húmido que se libertaainda quente da relva dos jardins, do asfalto mal lavado pelas bátegasda noite anterior, das paredes das casas exibindo as marcas dasúltimas invernias. é um aroma, sim. é de aroma que se trata. de umolor, de uma essência odorífera, de uma fragrância rebelde. e aqui,onde vivo, essas exalações misturam-se com a maresia, trazida pelasgaivotas brancas que invadem a cidade em círculos, confundindo mar eterra, neste tempo de transição. de mudança.

e a luz, uma luz coada e doce, que se intromete entre dois cirrosvigilantes no silêncio azul do céu, mostra todas as suas cambiantesneste final de tarde. neste outono-ainda-verão. há pouco, quandocomecei a escrever-te, uma luz de mel, pastosa, quase líquida, deitava-se como um manto ocre sobre o casario pintado na tela luminosa daminha janela. agora, uns farrapos cinzentos cobrem a paisagemanunciando a chegada da noite. espero. o cinza escuro do céu desvanece-se e logo de seguida, lentamente, uma névoa fina e dourada recobretoda a paisagem.

escrevo. a névoa adensa-se e atenua-se a luz enigmática de há pouco. achuva cai mais ruidosa, enquanto a névoa se dissipa. adoro este tempoque tudo muda. que me muda. adoro, como te disse, os períodos detransição. de mudança. por isso gosto do fim do dia.

agora, a chuva cai em surdina. fecho a janela. o calor no quarto éinsuportável. abro-a de novo e fico quieto. muito quieto. um friomarinho entra no meu quarto. uns pingos rebeldes chegam trazidos pelovento e denunciados pelo sussurro rouco das goteiras, com saudades dachuva. uma luz estranha, enigmática, dourada, mostra-se de novo.vivamente. a luz, neste momento, tem uma intensidade acobreada.delicada. única.

desvanece-se depois, quando se vêem os primeiros candeeiros lá aofundo. na cidade. a noite vai chegando. débil, a luz de um sol já semforças, morre lá longe.

por fim, o céu escurece. um vento forte fustiga agora as árvores quese despem de folhas e de pássaros. chegou a noite. outra noite. estanoite. com chuva.

Manuel Ferreira Rodrigues

Não sei se é chuva - Orlando Jorge Figueiredo

Não sei se é chuva

não sei se é chuva
o eco da tua voz
nos poemas
que não lemos

não sei se é chuva
esta tristeza
que adormece
dentro de nós

não sei se é chuva
a luz que se apaga
nas palavras
que não dizes

não sei
se é chuva
estas gotas
salgadas
que morrem
nos meus lábios

orlando jorge figueiredo

a dança da goteira - Ulisses

-a dança da goteira -

como um bote frágil numa maré violenta
dança, agita-se, fremente, a casa.

(assustados os bichos e eu, espreitamos
soluçantes, a tempestade que lá fora se afirma)

RAM!, Bruh! Uuu!
breu na casota escondida na montanha,
o cão da vizinha treme da sua cegueira
as gentes queixam-se da sorte
eu escondo-me na cama.

até que.

na planura melosa do medo. ouço.

(um barulho frenético, um gorgolejar insano.
um ping-ping em alta rotação. a goteira
canta estala vive!)

No meu bote frágil nessa maré de violência
eu e os bichos dançamos. toda a gente dança.

-a dança da goteira-

Ulisses

Chuva de Catarse - Carla Ribeiro

CHUVA DE CATARSE


Chuva que cai
e não molha.
Chuva que cai
e não sacia a sede da terra,
nem a sede de vingança
incendiada pelos fogos do ódio humano.

Não há chuva que apague estes fogos!
Não há santos que regulem esta meteorologia!

Mesmo assim,
prefiro a chuva que não cai
e não molha,
e não rega,
e não se vê nem se sente,
Aos ventos tortuosos e secos,
às tempestades cataclísmicas
que sopram… sopram…sopram…
e afinal, também não trazem nada.
Pode ser quer assim,
alguma gota de consciência brote
e transforme esta
Humanidade desumana
numa poça de esperança…
Numa chuva de catarse!


C.R.

Chove - Maria Mamede

CHOVE

Chove dentro e chove fora
da alma, como na rua
onde tanta gente passa
e a vida fica sem graça
pelo cinzento que o céu tem...

e a chuva que tudo alaga
vai lavando e vai passando
vai correndo, vai fugindo
encontra o plaino e vai indo
pra onde? Sabe-o ninguém...

agora chove mais forte;
e chega o vento do norte

a empurrar, a empurrar
para a levar não sei onde
talvez perseguindo alguém...

e vai seguindo, seguindo
numa dança sem compasso
e levantando e caindo
a dançar no olhar baço
na espera do que não vem!...

Maria Mamede

Nostalgia - Lurdes Breda

Nostalgia

Ritmada, a chuva goteja
Sobre a nudez das árvores.
Através da imobilidade lacrimejante,
Da minha janela fechada,
Observo a viagem apressada das nuvens.
Distante, o céu assemelha-se
A um imenso lago cinzento, invertido.
Um pardal de telhado
Pousa num ramo de pessegueiro.
No corpo despido da árvore
Assomam botões estremunhados,
Como minúsculas feridas rosadas.
Narcisos solitários
Tremulam no vento
As campânulas amarelas,
Num aceno de pétalas embriagadas.
O latido de um cão, longínquo,
Propaga-se na chuva que não pára,
E afugenta o pardal de telhado.
Na lareira, as labaredas
Fazem amor alucinadamente.
Prendo os olhos
No seu bailado cor-de-laranja
E acendo a esperança
Dentro e fora de mim…


Lurdes Breda

Chove - Ana Paula Mabrouk

Chove

Chove!
Faz frio cá fora neste sentada sozinha
Ouve-se o barulho-chuva cair nos beirais
Com pa ssa da men te….
O seu som embala ao cair nas árvores altas
Lavando o ar-cinza da semi-obscuridade.
Nada move os quietos prédios verticais
Onde a chuva escorre, chorando vidros abaixo
Gotículas-lágrimas doces silenciosas.

Tanto frio!
Não sinto os pés nem a alma…
Chove agora em turbilhão
E o silêncio do lado de cá
Atroa ao som da chuva que fustiga o lado de lá.
Um vento gélido varre o telheiro-cimento
Onde sentada me encontro escrevendo
Trança de água nesta tarde invernada
Triste, profundamente negro-triste.

Chuva-fria!
Pesada a tarde, a chuva e o frio
O silêncio ensurdecedor deste lado
E o ritmo compassado do outro
Os prédios rígido-verticais
Estes blocos-cimento abandonados
E esta solidão tão desnuda!
Ah, tarde sem fim!
Que em mim estás morrendo
E morrendo eu em ti.

Ana Paula Mabrouk

Chuva - Isabel Rosete

Chuva quadrada
Chuva redonda
Chuva obliqua
Chuva de qualquer forma

Chuva da ausência
Chuva da presença
Chuva dos encontros
Chuva dos des-encontros

Chuva do Mar
Chuva da Terra
Chuva das Fontes
Chuva das Tempestades

Chuva dos Amores
Chuva das Paixões
Chuva das Angústias
Chuva das Solidões

Chuva do Sol
Chuva da Lua
Chuva das Estrelas
Chuva das Galáxias

Chuva e mais Chuva, sempre…
A Chuva do Mundo
A Chuva das Almas
A Chuva da Humanidade!

Isabel Rosete

Tema semanal

O Grupo Poético de Aveiro lançou um desafio à sua comunidade virtual, no grupo google, para a criação de poemas com um tema semanal partilhado.
Ao longo das próximas semanas, iremos colocar neste nosso e vosso blog alguns dos poemas dos membros do grupo.
Obrigado pela vossa colaboração.
Boas leituras.